sábado, 10 de maio de 2014

Vire essa cartilha pra lá!


Imagine uma sociedade conservadora e preconceituosa em relação à sexualidade e intimidade das pessoas. Imaginou? Ok, imagine que uma parte delas, por terem suas preferências e práticas não convencionais, estabelecem um “universo próprio”, com linguagem, conceitos e limites próprios, para viverem aquilo que acham essencial para suas felicidades. Pronto! Serão livres de preconceitos e rotulações, certo? Errado. E você também não caiu nessa. Pra onde quer que o humano migre, leva junto seus vícios. Não é diferente no BDSM.


Há anos, ao reunir-me pela primeira vez com o “povo BDSM” de Porto Alegre, 
e embalado pelo deslumbramento da inexperiência, comentei com um experiente Dominador do RS sobre a construção de um “manual” BDSM, para ajudar neófitos tolos como eu a entenderem melhor a coisa. A resposta foi uma careta, seguida de desdém. “Essas coisas não dão certo”, disse ele, sem maiores explicações. Só anos depois eu compreenderia fatos que o ilustre Dominador não me explicou, mas que lhe davam total razão.

Feito da mesma matéria prima de qualquer meio social, o BDSM nasce de pessoas, com todos os vícios e virtudes. Os “gatilhos” de seus fetiches são individuais e únicos, o que torna impossível padronizar atividades e princípios, onde até as técnicas são difíceis de determinar. Mas há personagens expressivos que deixam trajetórias exemplares no cenário social do meio, e tornam-se referências. Todavia, é impossível dizer que representam o “certo”, e que exista um “errado”. Há o lícito, o Consensual (que nem sempre é São ou Seguro, embora, talvez, devesse ser).

Afinal, o gatilho do prazer de cada um é essencialmente diferente, o que permite diversas configurações e intensidades do seu modo de viver fetiches. E mesmo que pessoas incapazes de respeitar individualidades promovam preconceito e rejeição, desempenhando o mesmo papel conservador que fazem do meio baunilha, ou convencional, um meio impróprio para se viver o fetichismo.

O preconceito sempre busca justificativa no conservadorismo e numa suposta tradição. E se existirem essas bases “morais”, elas podem ainda ser apontadas. Mas que tradição ou bases morais existem no BDSM? De onde elas emanam? Onde estão escritas? Se achar, nos aponte!

A única garantia de que estamos no caminho certo é nossa satisfação, e a de quem conosco compartilha, seja através do controle, seja através da entrega. BDSM vive-se na prática da masmorra íntima, e não importa de que boca ou latrina surjam julgamentos ou regras, é na nossa satisfação pessoal que o fetichismo nasce e morre.


O texto acima está publicado, na coluna “Luas de Júpiter”, da Revista BDSM Lovers (Pag. 37), que pode ser acessada neste link:




Nenhum comentário:

Postar um comentário